quinta-feira, 22 de julho de 2010 | |

Justiça federal proíbe a queimada (em Araraquara)

Uma decisão dada pela Vara Federal de Araraquara ajuda a entender porque a Justiça é lenta no Brasil. A juíza federal Adriana Galvão Starr proibiu a queimada da palha da cana naquela região. Questão semelhante envolvendo uma lei de Limeira, fruto de projeto do presidente da Câmara, Eliseu Daniel dos Santos (PDT), já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, que acabou liberando a queimada.

Ora, se a última esfera do Judiciário deu um parecer a favor da inconstitucionalidade de uma lei municipal que proibia a queimada de cana, por que a decisão não serve de jurisprudência para toda a Justiça Federal?

É fato que as questões tratadas na ação envolvendo a lei de Limeira e no processo em Araraquara são distintas do ponto de vista legal, mas no mérito tratam da mesma questão: a queimada faz mal à saúde, à fauna e à flora. Esta é a essência da questão, o que deveria ser considerado pela Justiça houvesse bom senso por parte dos juízes. Alguns deles, contudo, preferem a tecnicidade fria das normas.

No caso de Araraquara, a juíza anulou todas as licenças ambientais concedidas pela Cetesb (Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente para a safra 2011 autorizando a queima da palha da cana. Segundo a juíza, as autorizações só poderão ser concedidas após estudos de impacto ambiental (EIA/Rima) prévio avaliando as consequências dessa prática para a saúde e o meio ambiente (leia mais aqui).

Para a juíza, “a proteção do meio ambiente realiza-se por meio de competências administrativas comuns a todos os entes da federação”, o que derruba a tese de que só a União pode legislar sobre questões ambientais – tese defendida pelas associações de usineiros para contestar a lei antiqueimada limeirense. Reforça essa ideia o artigo 225 da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (grifos meus)

A sentença dada pela juíza clareia, na página 26, também outra questão sempre levantada pelos defensores das queimadas: "A nocividade da queima da palha da cana-de-açúcar ao meio ambiente e à saúde humana já fora atestada por diversos estudos. Ainda que inexistisse comprovação efetiva acerca da lesividade, a Constituição exige a realização de prévio estudo de impacto ambiental para as atividades POTENCIALMENTE (grifo original) causadoras de significativa degradação ambiental".

Se é dever do Estado zelar pela saúde e o meio ambiente, como prega a Constituição, é inconcebível a opção tomada pelo governo de São Paulo desde a gestão do ex-governador Mário Covas de liberar a prática da queimada. Por meio do decreto 42.056, de 6 de agosto de 1997, Covas prorrogou o fim das queimadas para 2021 no caso de áreas mecanizáveis e 2031 para as áreas não mecanizáveis. O ex-governador José Serra (PSDB) reduziu os prazos, mas ainda assim defendeu a prática. Serra chegou a classificar a lei antiqueimada de Limeira de “radical”, como já informou este blog (leia aqui).

Se os governantes paulistas não tiveram peito de enfrentar as usinas e seus interesses econômicos, caberia à Justiça restituir a proteção à saúde e ao ambiente. Foi o que fez a Justiça de Limeira ao conceder liminar anos atrás proibindo a Usina Iracema de usar o fogo em suas lavouras, em ação movida pela Promotoria do Meio Ambiente, assinada pelo promotor Luiz Alberto Segalla Bevilacqua, decisão mantida posteriormente pelo Tribunal de Justiça e que resultou num Termo de Ajustamento de Conduta. Foi o que fez a juíza de Araraquara – aliás, uma bela sentença (leia a íntegra aqui).

Foi o que não fez o Supremo ao derrubar a lei municipal antiqueimada.

Agora, Eliseu Daniel ganhou uma importante arma na luta para restituir a lei de sua autoria.

Em tempo: sobre esta questão, o “Jornal Nacional” apresentou uma reportagem hoje.

1 comentários:

eliseu daniel disse...

Rodrigo, a Lei Municipal de Limeira, de minha autoria, está suspensa por uma decisão limina, concedida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal STF, Min. Gilmar Mendes. Contudo o mérito da questão ainda não foi analisa pelo Tribunal. Nos próximos dias vamos fazer um requerimento para que o processo seja incluído na pauta de julgamento, justificando para tanto os males causados pela queima aqui em Limeira, principalmente na comprovada piora da qualidade do ar e aumento de atendimentos ambulatoriais de crianças e idosos com problemas respiratórios. Mas valeu pela observação, e vamos juntos continuar a batalha. Grande Abraço
Eliseu Daniel